
Marcelinho Huertas é o melhor armador do basquete brasileiro. E é um típico armador - inteligente dentro e fora das quadras, articulado, educado e com ótima visão de basquete. Surgido no Paulistano, rumou para a Europa, onde brilhou no DKV Joventut e no Bilbao (com mais intensidade e de onde só saiu por problemas entre os dois clubes). Após problemas contratuais, o jovem de 25 anos rumou para a Itália, onde agora defende o GMAC Bologna. Neste papo, ele, que recebeu proposta do Real Madrid em dezembro, fala sobre sua adaptação na Itália, sobre as diferenças de treinamento e, claro, seleção brasileira.
BALA NA CESTA: Como está sendo a sua primeira temporada na Itália? Já conseguiu detectar as principais diferenças entre o basquete daí e o espanhol, de onde você veio antes?
MARCELINHO HUERTAS: Está sendo mais complicada do que eu pensava. A Liga em si é de nível parecido a espanhola. O que muda, no entanto, é o estilo de jogo, principalmente pela grande quantidade de americanos (quatro por equipe), o que transforma o jogo numa batalha individual muitas vezes. A qualidade individual no geral é boa, mas o jogo coletivo deixa a desejar e hoje em dia para vencer é primordial saber jogar em equipe. Não é a toa que Siena nos um últimos anos vence tudo por aqui. É a equipe mais organizada e equilibrada.

-- Um dos momentos mais emocionantes de sua passagem pela Espanha foi a
despedida do Bilbao. A torcida disse, em basco, para você ficar, e sua emoção tomou conta com as lágrimas. O que você lembra daquele momento e quão especial foi a sua relação com a torcida basca? Se arrepende de ter saído?
-- Foi realmente um dos momentos mais emocionantes, se não o mais emocionante. Foi uma sensação única escutar 5000 pessoas cantando sem parar o teu nome e dizendo pra ficar. Me arrepio só de lembrar. Este ano era para estar jogando lá ainda, mas por problemas entre Bilbao e Joventut não foi possível renovar, mesmo querendo ficar.
-- Tendo atuado na Espanha e Itália, o que você verifica de diferente, em termos de treinamento, em relação ao que é apresentado no Brasil?
-- O método de ensino aqui é diferençado. Desde pequenos eles aprendem conceitos de organização, leitura de jogo, movimentação de pés, técnica individual. Infelizmente no Brasil esse trabalho é escasso. Não digo por falta de vontade, mas por falta de conhecimento e estudo. Talento no nosso país não falta. O que se deve fazer é trabalhar de maneira diferente com os jovens e ensinar-lhes desde pequenos a essência do basquete, não só jogar uma bola em suas mãos e dizer para jogar.
-- Existem duas correntes que falam sobre esta situação: a que defende uma maneira "a brasileira" de jogar basquete, e uma outra que afirma ser mais pertinente implantar um modelo "europeu no Brasil". O que você acha disso?

-- Concordo plenamente com o que
disse o Guilherme Giovannoni. Foi-se o tempo da maneira brasileira de jogar. Hoje em dia se não se joga ao modelo europeu dificilmente se conquistará algo importante. O único time que se pode dar ao luxo de jogar de outra maneira são os americanos, e mesmo assim estiveram sem ganhar nada muito tempo. O basquete é um esporte que se desenvolveu muito nos últimos 15, 20 anos e temos que nos adaptar o quanto antes se quisermos ser uma potencia. Qualidade não falta. Devemos trabalhar com inteligência.
-- Você participou das recentes campanhas da seleção brasileira, quase todas de trágicos resultados. Como explicar que um elenco tão recheado de bons jogadores não consiga resultados? O que falta?
-- Precisamos encontrar uma química que funcione. Essa química é na minha opinião um conjunto que esteja disposto a sacrificar egos individuais pelo sucesso do coletivo, e nosso técnico atual é capaz de fazê-lo. Ano passado apesar de não termos nos classificado para as Olimpíadas, já houve uma mudança no estilo do nosso jogo. Temos que seguir por essa linha de trabalho e tenho a certeza que com o time completo surgirão resultados melhores.
-- De todo modo, você esteve naquele que foi um dos maiores vexames do basquete brasileiro, o Pré de Las Vegas. O Brasil conseguiu perder de novo para Porto Rico, houve o incidente com o Marquinhos, aquela atitude deplorável do Nezinho e ainda a derrota final para o time B, ou C, da Argentina. Quais as marcas daquela derrota, e quais as lições?

-- Sobre atitudes de outros jogadores não gosto de falar e acho que nem se deve. Cada um tem seus motivos e não podemos responder por seus atos. Dói muito lembrar daquela derrota contra a Argentina. Deixamos escapar uma oportunidade de ouro. As lições que aprendemos é que aquele estilo de jogo não funciona mais. Voltamos a falar do jogo coletivo...
-- Mais: muita gente diz que ali foi a prova final da falta de autoridade de toda a comissão técnica da seleção, que tinha pouca voz de comando. Comenta-se, até, que os jogadores chegaram a cobrar mais bagagem tática dos treinadores. Isso aconteceu mesmo? Autoridade é algo que faltava a comissão técnica passada?
-- Muitas coisas passavam batidas. O importante é que de agora em diante, seja o técnico que for, ele tenha personalidade e autoridade para fazer o que é certo independente de se tratar de jogador A, B ou C. O Moncho se impôs desde primeiro momento e sua relação com os jogadores sempre foi muito aberta e imparcial. É muito respeitado e tem conhecimento suficiente para levar nossa seleção a conseguir os resultados que faltam pro nosso basquete atual.
-- Se você tivesse que fazer um pedido para que o basquete brasileiro voltasse aos trilhos, qual seria?

-- O ideal seria que não existissem tantos conflitos políticos no meio do esporte, que todos se preocupassem por um bem comum e não por essa disputa de egos que vivemos sem parar. O basquete é um esporte que pode ter um futuro brilhante, mas a desorganização, falta de incentivo, e as constantes briguinhas internas tornam isso praticamente impossível. Façamos do nosso esporte uma potência e não uma desgraça. Um abraço a todos e FORÇA AO BASQUETE BRASILEIRO!