quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Basquete é Cultura: Mulheres à Cesta

O Bert me ligou meio assustado de São Paulo: “Bala, tem um livro aqui na Livraria Cultura sobre o basquete feminino brasileiro. Parece ser legal”. Meio desconfiado, corri para o site e consultei o “Mulheres à Cesta”, estupendo trabalho de Claudia Guedes (foto abaixo à direita), atualmente professora universitária em San Francisco (EUA), sobre os primórdios do basquete feminino brasileiro. Comprei e devorei o livro, que tem até entrevista com a agora cantora Simone, em menos de três horas (as histórias são sensacionais!). A obra de Claudia, entrevistada no “Basquete é Cultura” de hoje, é daquelas que merecem ser lidas e eternizadas, tão grande é o cuidado com a memória da modalidade e de um grupo de meninas que fez aquilo que parecia impossível: no Mundial de 1971, Maria Helena e companhia ficaram em terceiro lugar no torneio disputado em São Paulo. Perderam na semifinal por causa de um sorvete. Sim, um sorvete. Saiba mais lendo o papo com Claudia Guedes, que até hoje procura uma editora para lançar o seu relato cujo projeto gráfico também merece elogios.

BALA NA CESTA:
Como surgiu a ideia e qual foi o seu objetivo com o livro? Seu contato com o basquete feminino é tão longevo quanto a medalha de bronze do time de 1971?
CLAUDIA GUEDES: A idea veio de Ana Lucia, uma amiga minha. Estávamos conversando sobre a minha volta ao Brasil e ela me sugeriu que escrevesse uma história de um esporte brasileiro que ainda não tinha sido contada: a do basquetebol feminino. Passei a noite no computador pesquisando e não encontrei nada do Brasil a não ser no site da CBB. Daí decidi: iria escrever sobre “as meninas”. Comecei a minha pesquisa em 2002 ainda morando em Berkeley (EUA). Foi quando tive acesso aos documentos mais incríveis - jornais e revistas que falavam da primeira liga de basquetebol feminino do Estado de São Paulo.

-- Em seu livro, você conta um pouco sobre aquela geração maravilhosa e sobre o torneio em São Paulo. Alguma coisa te surpreendeu, te chamou a atenção? Poderia nos contar a história do sorvete?
-- O VI Campeonato Mundial, sediado em São Paulo, por si só deveria ser um livro. O que mais me intriga é o fato de o Mundial ter inspirado o público a olhar para o basquete feminino como uma esperança de vitórias num período de turbulência política. Quando fui entrevistar a Nilza (jogadora), ela me contou a história do jogo (no livro, Claudia conta todos os detalhes): elas ganhariam da Tchecoslováquia e iriam para a final até que um sorvete foi jogado na quadra, o Brasil levou uma falta técnica e perdeu a partida. Achei absurdo, mas assisti ao jogo e chorei muito. Elas iriam mesmo vencer. Acho que foi o sorvete mais detestado do país e creio que a pessoa que jogou nem se deu conta do resultado da molecagem.

-- No começo da década de 70, o esporte feminino ainda era encarado com desconfiança no país. As jogadoras daquela época foram heroínas para a geração?
-- Coloco o leitor para pensar:
1. Estas jogadoras já vinham jogando antes de 1970 e tinham como espectadores apenas as famílias e os namorados - coisa de dez a vinte pessoas por jogo;
2. Mesmo assim, elas lotaram o Ibirapuera em 1971 (aproximadamente 15 mil pessoas);
3. Motivados pela Copa do Mundo de futebol de 1970 ou não, os torcedores não apostaram no escuro. Estas atletas já tinham ganho inúmeros Sul-Americanos, estavam partindo para mais um Pan-Americano e tinham conquistado a permissão para as mulheres jogarem basquetebol nos Jogos Olímpicos, como está registrado no livro e comprovado com os artigos de jornais que foram publicados em Madrid.
Elas provaram que tamanho não era documento (a mais alta do grupo não tinha nem 1,85m). Elas formavam um time portador de técnica, tática e “graça”. Eu não sei para os outros brasileiros, mas estas 16 mulheres que entrevistei são, sim, minhas heroínas.

-- Em nossa conversa pelo telefone você falou que não fez o livro por você, mas sim por Maria Helena (foto à esquerda) e as outras meninas. Poderia falar um pouco sobre isso?
-- Este livro nunca me pertenceu - pertence a cada uma das entrevistadas. Eu fiz o livro para que as novas gerações nunca se esqueçam destas jogadoras. Elas são as pioneiras do basquetebol como esporte olímpico. Maria Helena, Heleninha, Marlene e outras fizeram do basquete a possibilidade educacional para muitas meninas que não teriam oportunidade de dignidade e respeito na sociedade brasileira. Esta história não pertence a ninguém mesmo, a nenhum historiador. Pertence a quem fez a história ser possível de ser contada com orgulho de ser mulher, brasileira e atleta.

-- Por fim, uma pergunta: o time feminino começa o Mundial da República Tcheca amanhã. Você irá acompanhar o torneio? Há alguma expectativa para a competição?
-- Torço muito pelo basquete feminino. Virei fã depois que escrevi o livro e vou torcer muito. Já assinei um canal para ser visto pelo computador, pois dou aulas na San Francisco State University e este semestre estou coordenando 13 projetos de pesquisa em Educação Física para crianças de escolas públicas. Minha expectativa vai além da competição: tenho a esperança de que o Brasil olhe para o basquete feminino como se olha para o futebol, para as corridas de Fórmula-1. Não é fácil chegar aonde estas meninas chegam. A beleza de tudo isto é reconhecer nesta nova geração a força da mulher brasileira que também estava presente na geração de 1970. Esta força estranha que diz o tempo todo: “é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre!”.

14 comentários:

Bert disse...

Grande Bala, adorei!

Você é meu ídolo.

Hahahaha.

Abraço!

Anônimo disse...

Aprendemos a amar esse jogo, não só pelas jogadoras, jogadores, títulos, etc mas também por abnegadas pessoas que, de diversas formas, contribuem com esse esporte. Bert, Bala, Cláudia Guedes e tantos outros...só temos a agradecer a vcs!

André Sports disse...

Bala, estou também no grupo de blogueiros agora, se puder divulgar meu site, ficaria muito grato.
marcaesportiva.wordpress.com

Anônimo disse...

Muito boa a entrevista Bala, Parabéns.
Seria muito bom se Iziane e Erika pudessem ler esse livro, quem sabe assim elas teriam mais noção de suas responsabilidades com o basquete feminino brasileiro, pois COMO DIZ O DITADO : quem conhece sua história a respeita.!!E pensar que os ultimos feitos que estamos colhendo de todo esse legado DESDE 71 até hj é a Helen e a Ale, me dá até um pouco de tristeza. Tomara que esse livro também sirva como ferramenta para ajudar na formação de nossas futuras atletas, para despertar nelas o mesmo sentimento que tinham essas espetaculares atletas e mulheres BRASILEIRAS!!Pois é, a mesma camisa que vestiu essas mulheres, veremos amanhã sendo vestida pela Iziane Castro,e isso nos mostra claramente a decadencia do nosso basquete feminno, não só técnico- tatico como também de valores e amor a patria.Uma pena.

fábio balassiano disse...

Andre, no fim do dia vejo seu blog.

Aos dois anônimos, obrigado.

Ao amigo Bert, obrigado pela ajuda de sempre. Vc é dez.

Abs a todos e tomara que alguma editora se habilite!

Fabio

Toledo/MG disse...

Bala: procurei o livro aqui em BH e não o encontrei. Acho que terei de aproveitar alguma viagem a SP para ir à Livraria Cultura e conseguir um exemplar.

Além da narrativa, sabe o que me dá grande curiosidade? Tentar identificar as jogadoras na foto da capa! Vi jogar quase todas em edições dos anos 60 e 70 dos Jogos Abertos do Interior de São Paulo, Lais, Jacy, Maria Helena, Heleninha, Norminha (não sei se estav nessa seleção) e outras. Nessa época sempre se achava tempo para jogar conversa fora, e ninguém andava com seguranças ou precisava se esconder. Nunca vi essas moças virarem as costas para alguém, ou deixarem qualquer pessoa sem resposta a um cumprimento. Aliás, não eram só elas, pois os "rapazes" como Bira, Emil, Fausto e tantos outros também sempre foram acessíveis a todos.

Era muito gostoso bater um papo com eles/elas após os jogos, pois mesmo sem nos conhecer pessoalmente, parece que todos os atletas verdadeiramente amadores desse tempo eramos verdadeiros amigos.

Um abraço e parabéns pelo post.

Fabio Martins disse...

Xara-

Ainda nao li o livro- estou morrendo de vontade de faze-lo, mas ele so chega aqui em Outubro. Esse campeonato, nem eu me lembro, pois o perdi (nasci uns 6 meses depois!!!).
O que fica e que o Mundial foi em 1971 e o basquete feminino so "voltou" a aparecer no inicio dos anos 80 com a Paula e a Hortencia.
Como se pode ver, "hiatos" entre geracoes (e resultados)sao comuns no esporte do Brasil, o que e uma pena!
Grande entrevista, mais uma vez!!!

fábio balassiano disse...

toledo, legal o seu comentário
mas minha dica: compre isso logo pela internet. há pouquíssimos exemplares disponíveis!
corra portanto

abs, fábio

fábio balassiano disse...

xará, concordo com seu comentário.
agora, repito o que disse acima
corra pra comprar seu livro.
pode terminar, e vc não ler o relato maravilhoso da claudia!

abs, fábio

Cadum disse...

Fala Fábio, tudo bem ? Eu li o livro e recomendo muito. Minha tia Maria Helena me emprestou e realmente ele é fantástico. Grande abraço e parabéns pela entrevista.

Cadum disse...

Fala Fábio, tudo bem ? Eu li o livro e recomendo muito. Minha tia Maria Helena me emprestou e realmente ele é fantástico. Grande abraço e parabéns pela entrevista.

fábio balassiano disse...

legal, cadum!
valeu pelo relato

Abs, Fábio

Claudia Guedes disse...

Fabio
Muito obrigada pela lindaa materia. Muito obrigada pelo apoio e carinho.
Claudia Guedes

Cristina Toledo de Carvalho disse...

Olá Fábio!
Parabéns pelo blog!
Meu nome é Cristina Toledo de Carvalho e comecei a acompanhar, de perto, o basquete, mais ou menos, na mesma época sua, principalmente o feminino.
No final da década de 1980, confesso que os inesquecíveis "duelos" entre a Rainha Hortência e a eterna Magic Paula já despertavam um certo interesse em mim. Mas foi a partir de 1991, com a conquista da medalha de ouro pela seleção brasileira, nos Jogos Panamericanos de Havana, que aquele pequeno interesse evolui para uma paixão. Eu tinha 14 anos, na ocasião. Desde então, passei a seguir, como uma verdadeira fã, a carreira daquela dupla genial. Até me atrevi a praticar a modalidade, numa escolinha mantida pela Prefeitura de São Caetano do Sul, você acredita? Aliás, essa simpática cidade do ABC paulista tem toda uma história de envolvimento com o basquete. No final da década de 1960, o município articulou-se para formar uma grande equipe com as principais jogadoras da seleção, das quais: Norminha, Delcy, Marlene, Elzinha e Angelina. Inicialmente, essas atletas defenderam as cores do Monte Alegre, clube popular da cidade. Nele, elas ficaram apenas uma temporada e foram campeãs paulistas. Em 1969, ocorreu a transferência do elenco para o São Caetano Esporte Clube, agremiação tradicional e também muito popular no município. Jogando pelo referido clube, Norminha, Marlene e companhia conquistaram todos os títulos possíveis, o que acabou colocando a cidade na vitrine do basquete feminino nacional. Com tantas conquistas, o esporte se massificou e São Caetano transformou-se num celeiro de novos talentos. A Rainha Hortência foi revelada nesse contexto. Estes e outros episódios que integram a trajetória histórica desse verdadeiro "Time dos Sonhos" sul-sancaetanense foram apresentados na edição de n. 35 da Revista Raízes, publicação semestral da Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, instituição municipal destinada a preservar e divulgar o patrimônio cultural da localidade.
Na qualidade de historiadora de tal entidade, tive o privilégio de realizar as pesquisas para a produção dessa edição da revista. Foi uma experiência gratificante! Uni o útil ao agradável, ou seja, duas das minhas grandes paixões: a pesquisa histórica e o basquete.
No momento, estou concluindo o meu Mestrado em História Social pela PUC/SP e já posso lhe adiantar que pretendo ingressar no Doutorado, na sequência. Penso em elaborar um projeto de pesquisa que tenha como tema a rivalidade entre Paula e Hortência, discutindo o papel da imprensa na constituição histórica desse embate. Claro que se trata de uma ideia que precisa ser amadurecida, trabalhada e analisada. Enfim, tudo muito incipiente ainda. Mas as minhas buscas, na internet, por dados relacionados ao assunto já começaram. Foi por isso que pude tomar conhecimento de seu blog.
Bom, acho que já escrevi demais rsrsrs. Mais uma vez, parabéns pelo seu excelente trabalho e iniciativa! Sucesso, Fábio! Até mais!
Um abraço,
Cristina Toledo de Carvalho