
Antes de desligar o telefone, Paulo Bassul diz: “Rapaz, vou apanhar meu filho no colégio. O Thiago se tornou um baita companheiro nestes momentos”. Tem sido assim a rotina do técnico da seleção brasileira e ex-comandante de Ourinhos. Em casa e curtindo a família como há muito não fazia, o treinador, feliz, lúcido e pensativo, tem se dedicado a planejar o próximo ciclo do basquete feminino, a analisar porque a campanha na Olimpíada não foi boa e, claro, projetar o seu futuro. Foi isso que ele conversou com o BALA NA CESTA nesta entrevista.
BALA NA CESTA: Bassul, em primeiro lugar gostaria que você esclarecesse a sua saída de Ourinhos.
PAULO BASSUL: Após o Paulista os dirigentes me comunicaram a decisão que haviam tomado. Desde que assumi a seleção, eles falaram do descontentamento por eu ficar fora de Ourinhos por um período grande do ano. Assim como acredito que um técnico deve ter autonomia para escalar a equipe, penso que é atribuição do dirigente definir quem ele quer no comando. Portanto, respeito a opinião e o desejo deles, e saio tranqüilo, mesmo enfrentando isso pela primeira vez na minha carreira.
- Então o aspecto de trabalhar em seleção e em clube acabou, sem querer, atrapalhando no desenrolar do trabalho em Ourinhos.
- Pode-se dizer que sim. É perfeitamente possível se acumular as duas funções porque os campeonatos sempre pararam durante o período de seleção. O problema é que, para acertar o calendário, todos concordaram em prosseguir com o Paulista deste ano mesmo com a seleção em atividade. Diante disso, Ourinhos teve que contratar atletas para suprir as ausências das “selecionáveis” (Karen, Chuca e Micaela). O time ficou com excesso de alas e isto acabou tirando tempo de jogo e confiança delas quando voltamos de Pequim, desestabilizando a equipe. Some-se a isto o problema no joelho da Lisdeivi (que foi uma referência para o nosso ataque nos últimos anos), que a deixou totalmente sem condições de jogo e o estrago estava feito. Nosso grupo chegou desestabilizado nas finais e o basquete é esporte de precisão. Se a cabeça não estiver boa o rendimento cai assustadoramente. É preciso contextualizar os resultados - não são nomes que ganham jogos, mas sim a soma de muitas variáveis.

- Isso também pode ser dito em relação ao seu trabalho na seleção, concorda? Muita gente lhe critica por causa dos resultados obtidos, sem analisar os métodos.
- Um técnico sempre vai ser elogiado ou criticado pelos resultados que obtém, isto faz parte da nossa profissão e temos que saber receber críticas. Sabíamos que a seleção tinha sido muito reformulada em pouco tempo e isso tornava o rendimento na Olimpíada uma incógnita. Se isso não bastasse, ainda houve problemas com atletas cruciais nas vésperas da competição (ausência da Érika, a lesão da Micaela e a pneumonia da Adrianinha). Tudo isso, somado, fez com que a equipe chegasse nos Jogos sem estar totalmente estruturada. Neste aspecto, a estréia contra a Coréia era fundamental para dar a confiança que o grupo precisava. Aquela derrota na prorrogação complicou muito uma campanha que certamente poderia ter sido melhor. Acho que o grupo chegou mais “inteiro” no Pré-Olímpico e por isso fizemos apresentações melhores lá.
- Duas das grandes críticas que houve em relação ao seu desempenho em Pequim foram: o número excessivo de substituições e a não colocação, por mais tempo, de jovens com bom rendimento (leia-se Franciele e Karen). Como você encara isso?
- Mais uma vez afirmo que as críticas ou elogios são conseqüência de resultado. No vice-campeonato mundial sub-21 em 2003 utilizei um rodízio grande com as meninas (geralmente nove ou dez atletas já haviam participado do jogo no primeiro quarto) e, como fomos bem sucedidos, elogiaram as trocas constantes. A grande diferença é que naquele grupo todas estavam muito bem e as trocas “matavam” os adversários no segundo tempo. Nas Olimpíadas, algumas meninas apresentaram uma irregularidade muito grande e as trocas não estavam programadas. Elas acabaram se tornando freqüentes para tentar encontrar o melhor grupo dentro de cada partida. Sobre as jovens atletas, realmente concordo que Karen e Fran tiveram ótimas apresentações. Hoje, também acho que usá-las mais tempo poderia ter sido positivo, mas optamos por dar segurança para jogadoras mais experientes em busca de uma regularidade que acabamos não conseguindo encontrar.
- Você tem algum arrependimento, algo que considere um erro? A não ida da Natália foi um deles? E como fica a situação da Iziane? Você sabe que toda vez que os resultados não vierem, essa “lebre” será levantada, não?
- Sei e estou preparado para ela. Iziane é uma grande jogadora, isso é indiscutível, e lamentei muito a situação ter chegado àquele ponto, mas acho que não tínhamos alternativa naquele momento. Ela tinha que ser punida pela atitude que tomou e foi o que aconteceu. Quanto a Natalinha, com a vinda da Adrianinha não quisemos mexer na estrutura da equipe e o corte acabou recaindo sobre ela. Confesso que hoje talvez deslocasse a Claudinha em definitivo para a lateral, onde joga mais à vontade, e levasse a Adrianinha junto com a Natália na armação.

- E agora, qual é a saída? Renovar ainda mais a seleção, ou manter o elenco? Nomes como Êga, Mamá e Chuca, além da Claudinha, que já anunciou sua saída da seleção, renderam muito abaixo do esperado em Pequim, e jovens já surgem para, ao menos, serem experimentadas, não?
- Prefiro não citar nomes, até para não causar expectativas, mas teremos um elenco bem diferente daquele que vimos em Pequim. Estamos observando algumas jogadoras jovens e promissoras. E espero que consigamos um número grande de amistosos de alto nível para que tenhamos oportunidade de fazer experiências e preparar o grupo para as futuras competições.
- Falando nisso, muita gente, inclusive eu, diz que o ideal, para você, seria ser exclusivo da seleção, e que essa seria uma boa oportunidade para tal. Como você avalia isso?
- Eu gosto de atuar no dia-a-dia do clube para não perder o ritmo. Não vejo a exclusividade como crucial, a não ser que tivéssemos uma seleção permanente como Cuba e China ou um calendário internacional mais extenso. De todo modo, enquanto isso vou pensando em novos projetos para tocar e vou curtindo a minha família.
- Por projetos, pode-se entender novo time?- É possível, nunca se sabe. Gostaria de tentar algo novo até porque acho que a modalidade precisa de mais equipes em ação, mas não é fácil. Todos nós que passamos a vida inteira lutando pelo feminino sabemos o quanto é difícil, mas cada minuto dessa luta vale a pena.